Na Sexta-Feira passada no programa o Expresso da Meia-Noite da SIC Notícias, o Secretário de Estado dos Transportes disse que a mudança de traçado do IC 1 para poente já tinha custado ao Estado 300 milhões de euros em pagamentos contratualizados e 170 milhões por encargos não previstos na concessão, ou seja, a mudança de traçado.
Fiquei admirado com os valores como também fiquei com os números que o Tribunal de Contas divulgou há tempos em que os pagamentos contratualizados nas concessões das SCUTs ascendiam já a 15,7 mil milhões de euros, a que se juntavam encargos com expropriações, no valor de 365 milhões de euros. A somar a isto é preciso juntar os custos com o processo de reequilíbrio financeiro, que consistem nas compensações dadas pelo Estado ao concessionário por encargos não previstos na concessão, que ascendiam a 894 milhões de euros.
Portanto, um desvio de 17 mil milhões de euros ao custo inicialmente previsto para as SCUTs. É claro que o governante em questão esqueceu-se de dizer que esses desvios já vinham do tempo de António Guterres, mas vou dar isso de barato.
Ora o Secretário de Estado deu o exemplo do traçado a poente do IC 1 para exemplificar que era por causa deste e outros casos que as coisas estavam como estavam. Obviamente que culpou o governo de Durão Barroso pelo sucedido e os próprios autarcas da região por terem feito pressão para que o traçado fosse a poente. Ou seja, parece que afinal de contas, o peso dos nossos autarcas na decisão não foi assim tão pequeno como isso e foram eles que conseguiram mudar a posição do governo a esse respeito.
Mas como já disse atrás, o Secretário de Estado esqueceu-se de dizer que não foi apenas o governo de Durão Barroso que andou a mudar traçados, mas que essa novela de contornos opacos começou no tempo de António Guterres. Porque foi num governo dele que foi definido o traçado a poente. Estiveram para fazer o traçado a poente e só não o fizeram por razões que o tempo e a memória já esqueceram, mas que alguns de nós não.
Depois foi também num governo de António Guterres que se mudou o traçado para nascente, esquecendo-se o governo de explicar qual era o sentido de ter duas vias tipo auto-estrada a par uma da outra? Na altura, quem governava em Estarreja revoltou-se contra isso de início (depois resignou-se) e quem estava na oposição agarrou no tema e levou o protesto até onde foi possível. E o possível foi fazer com que Durão Barroso e Marques Mendes prometessem mudar o traçado, caso chegassem ao governo. E foi isso que fizeram quando lá chegaram. E fizeram aquilo que a população e os autarcas achavam ser o melhor a solução para Estarreja, Murtosa e Albergaria-a-Velha.
Nesse seguimento, foi estudado e apresentado um traçado a poente cujo início estava previsto para o final de 2004. Ora, entretanto, o governo mudou e Santana Lopes continuou apostado em fazer a poente. Quando ocorreu a dissolução da Assembleia da República, o processo ficou estagnado e agora com este governo já sabemos o que nos espera. Aquilo que foi estudado e projectado no tempo de Durão Barroso vai para o lixo e toca a pôr de novo o trajecto a nascente.
E foi pena que em assembleia uma deputada do PS não tenha contado esta história bem contada e só tenha contado uma parte. Esqueceu-se de dizer que depois do traçado a poente ter sido anunciado em Fermelã, que o governo da coligação esteve apenas em funções mais um ano. Ora era em 12 meses que o governo conseguia desencandear um processo de expropriações de terrenos e de início de construção do IC 1? É que fosse possível tal rapidez então o actual governo já devia ter começado a fazer alguma coisa. E nem sequer anunciou ainda o traçado e já lá vai quase 1 ano desde que tomou posse.
É claro que o Secretário de Estado pode dizer agora que os autarcas e o povo estavam errados. Que o governo de Durão Barroso estava enganado, mas nunca tiveram a coragem de explicar de forma clara às pessoas porque razão estavam erradas e porque razão a solução a nascente é a melhor solução. Nesta como noutras decisões do Estado português tudo é feito no segredo dos gabinetes por critérios pouco perceptíveis.
E é por causa desta falta de transparência nas decisões do poder político, desta falta de rumo nas decisões, desta falta de controlo nos processos de decisão, desta falta de racionalidade (o que hoje é certo, amanhã já pode ser errado e etc…) que as SCUTs vão custar ao Estado mais 17 mil milhões de euros do que o previsto.
Em resumo, este Estado que nos governa nunca teve um rumo certo e transparente. Sempre foi um estado de remendos, de mudanças de direcção, de decisões adiadas. É óbvio que perante isto tornou-se permeável aos mais diversos interesses e às mais diversas pressões.
Os autarcas e a população podiam até estar errados nas suas aspirações. Mas competia ao governo definir um rumo certo e uma solução racional. Nunca foi o capaz de o fazer. Portanto, perante isto os autarcas limitaram-se e defender aquilo que achavam ser o melhor para o seu concelho.
Mas este governo também não aprendeu a lição. Começou por dizer erradamente que não havia portagens nas SCUTs. Agora já anunciou que vai apresentar um novo modelo de financiamento para o plano rodoviário até Julho de 2006, anunciando nessa altura quais são as SCUT que passam a ter portagens. Ou seja, mais uma promessa eleitoral que vai por água abaixo.
Ora parece-me evidente que a SCUT entre Angeja e Estarreja (a ser feita) também terá portagens. Se serão ou não mais baratas que na A1 é uma questão que veremos no futuro, mas acho difícil que não venha a ter portagens. Portanto, é este o IC 1 que vamos ter. Mais uma auto-estrada com portagens. E não foi isto que nós pedimos ao longo do tempo.