Ás vezes meto-me em discussões que não interessam nada a ninguém, mas envolvem sempre uns milhões de euros. Tenho uns amigos no fórum
9 G que gostam de discutir política de defesa. Eu sei que isto não interessa nada a ninguém, mas é um assunto de estado e de governo. E eu às vezes vou na discussão e desta vez o assunto era tentar perceber porque razão o exército quer comprar helicópteros para fazer um grupo de aviação ligeira (GALE). Se já existem helicópteros na força aérea e na marinha, para quê mais helicópteros para o exército?
Percebo que para muitos seja um pouco estranho que o exército também queira ter helicópteros, quando toda a vida usou os da força aérea sempre que precisava. Mas penso que essa situação não é compatível com um exército moderno, como deve ser o nosso. E digo isto pelo seguinte: a aviação nos exércitos tornou-se um factor importante há várias décadas executando vários tipos de tarefas. O seu contributo acenta principalmente em três factores: 1- versatilidade; 2- capacidade de manobra; 3- capacidade de combate.
Neste contexto, o helicóptero tornou-se numa arma importante não só ao serviço das forças aéreas e das marinhas, mas também integrado em unidades terrestres, ou seja, exército. Foi esta percepção que levou à criação de grupos de aviação em vários exércitos da NATO e não só.
E o fim da Guerra-fria só veio aumentar mais ainda o papel do helicóptero integrado em forças de combate terrestres, pois tornou-se óbvio que o emprego de forças terrestres no novo contexto implicava a existência de forças mais flexíveis e com capacidade de projecção de forças mais eficiente de forma a intervir em conflitos a grande distância. Ora, neste contexto, o helicóptero era um meio fácil de projectar e com uma grande flexibilidade de acção no terreno.
A sua velocidade e capacidade de manobra criaram mesmo um novo conceito no que diz respeito aos helicópteros de ataque, que é o conceito de ataque aeromecanizado. Neste conceito, uma força terrestre usa o helicóptero de ataque para projectar rapidamente no campo de batalha uma concentração de forças, capaz não só de combater, como também de ler em tempo real a situação do campo de batalha.
É claro que isto não substitui a acção das ditas forças terrestres e o seu poder de combate no campo de batalha. Mas dá concerteza a essas mesmas forças uma maior capacidade de intervenção. É certo que ainda não possuímos helicópteros de ataque no nosso exército, mas penso que também devemos caminhar para aí e ter a preocupação no futuro de ter um grupo de aviação de ataque no exército.
Grande parte dos países da NATO possui grupos de aviação nos seus exércitos. Por isso, o nosso exército, constantemente integrado em alianças e estruturas de defesa, achou também que era importante a criação de um grupo desses que nos permitisse estar em pé de igualdade com forças pertencentes à NATO ou a outras alianças de que o país faça parte. Entendeu também que o helicóptero tornou-se uma força relevante em qualquer exército moderno com capacidade de projectar força nos novos cenários de crise e conflitos. Sendo assim, foi decidido criar o grupo de aviação ligeira do exército em 1998, estando prevista a implementação de dois esquadrões de helicópteros neste grupo, um de helicópteros mais leves (cujo o modelo aguarda decisão do governo) e outro de helicópteros médios e utilitários já escolhido e que deverá ser entregue ao exército em 2008.
Depois deste processo terminado devemos passar então para um grupo de aviação de ataque que podia ter 6-8 aparelhos. Penso que devia ser uma prioridade do exército na próxima década.
Seguir estes passos não é querer ser grande ou fazer figura de grande. É apenas acompanhar a tendência dos exércitos modernos e das novas doutrinas referentes ao emprego de forças terrestres. É, por isso, que eu acho que Portugal não pode ficar para trás, agarrado a velhos conceitos de operação. Ter um grupo de aviação no exército a funcionar não só é importante agora, como também é importante num futuro, onde o exército deverá ter um conceito aeromecanizado.
A existência de meios aéreos próprios dará ao exército uma capacidade operação independente, embora sempre possível de integrar com outros meios e ramos. Mas o helicóptero no exército tem de ser encarado como uma continuidade da componente terrestre e não como um meio estranho emprestado por outro ramo. E foi isso que sempre aconteceu no nosso exército no passado. O helicóptero era um meio estranho emprestado pela força aérea em situações pontuais.
É claro que muitos dos meus leitores vão dizer que isto não interessa para nada e que o exército é uma cambada de malandros que não faz nada na vida. Mas quem percebe um bocadinho do assunto sabe que isto não é assim. Mas é preciso perceber um bocadinho. E muita gente não percebe nada do assunto. E estão obviamente no seu direito de não perceber ou de não querer saber. Afinal são coisas pouco discutidas, combinadas no segredo dos gabinetes. Mas é pena que seja assim.