O desinteresse que grande parte das pessoas mostra pela política e que se reflecte durante os períodos eleitorais sempre me meteu uma certa impressão. As razões deste desinteresse e deste absentismo são profundas e não são as mesmas ao longo das gerações. Nas gerações mais velhas penso que esta falta de interesse é ao mesmo tempo uma incompreensão do mundo que as rodeia. A falta de escolaridade aliada a anos de ditadura espalhou o analfabetismo entre os mais velhos que não percebem o mundo em que vivem. Muitos ainda dizem que o que faz falta é um “novo Salazar” e lembram com o saudosismo o tempo da ditadura. Comentam também que os políticos estão lá para se orientar e não para ajudar o povo. Esta gente quando vai votar não sabe muito bem o que vai fazer. Vota em função de um símbolo ou por que alguém lhes disse volta naquele sítio, naquela cruz, porque esses é que são bons. É assim que as coisas funcionam muitas vezes. Portanto, para eles a Europa é uma coisa muito distante e não fazem a mínima a idéia para que é que estão a votar. Mas o que dizer das gerações mais novas como a minha que praticamente já não viveram a ditadura e tem mais escolaridade para perceber o mundo que as rodeia? O que é que os leva a não votar? Muitos também dizem que não vale a pena votar porque são todos uns ladrões e que comem todos do mesmo tacho ou da mesma panela. Esta idéia de que a política é um grande tacho é velha e está muito difundida na sociedade. E hoje ouve-se cada vez mais. E é também uma desculpa para não votar, para não ligar nada à política. “Os tipos que vão para Europa ou para o governo vão para lá é para ganhar o deles”, escuto eu muitas vezes, como se os pobres deputados ou os ministros não tivessem direito a ganhar ordenado. Alguns ficam espantados quando descobrem que há ministros a perder dinheiro no governo. “Ah, mas se lá estão é por algum interesse” rematam logo. É assim que povo vê a política, no fundo é tudo um jogo de interesses e de ordenados. Mas este mesmo povo que só vê $$$$ na política e nos políticos de vez em quando lá se aborrece e vai votar para mudar o rumo das coisas. Normalmente perde-se ou ganha-se eleições por culpa do adversário. Guterres ganhou por que o povo estava farto do Cavaco, Durão ganhou por que Guterres foi-se embora, só Cavaco Silva em 87 e 91 chegou à maioria absoluta por mérito próprio. Mas mesmo nessa altura a frase era: “pode não ser bom, mas os outros também não são melhores”. Ou seja, é sempre pela negativa que se ganha. Isto tudo para dizer que nas próximas européias, muita gente não vai votar por que a Europa não lhes diz nada. Ou melhor, só se lembram da Europa quando lhes cheira a $$$$$$. De resto a Europa não serve para mais nada. Para os mais velhos a Europa fica noutra galáxia, para os mais novos fica noutro planeta. É isto que vamos ter em Junho. Tudo isto agravado pelo Euro 2004 que vai mobilizar a atenção do povo. O que importa é o futebol. A Europa que se lixe. Além disso, o futebol é uma coisa fácil de perceber. Ganha quem meter mais golos é tão simples quanto isto. A Europa não. É uma grande complicação e pensar dá trabalho e cansa muito. É mais fácil ver futebol do que um debate sobre questões européias. E é aqui reside o nosso mal e a nossa grande fraqueza. É que não estamos habituados a pensar nem a planear. Preferimos coisas simples. Os outros que pensem por nós. Por isso, é que estamos na cauda da Europa nesse sítio onde ninguém gosta de estar. Mas não fiquem tristes. Alguém tem que estar na cauda. Calhou a nós, mas que diabo tinha que calhar a alguém.